A Química dos alimentos





Por Stanlei Ivair Klein



Carboidratos, proteínas, óleos, gorduras. Podemos afirmar que são os nossos macronutrientes, o nosso feijão com arroz e ovo frito de cada dia, necessários para mantermos a energia que necessitamos no nosso dia-a-dia. Mas nossas necessidades diárias dependem de outras coisas também, as vitaminas e os minerais, um conjunto que podemos chamar de micronutrientes: necessitamos só de um pouquinho – 1 g de vitamina C por dia, por exemplo – para mantermos o corpo saudável. Mas tem ainda outra coisa, os aditivos. O nome já diz tudo: são substâncias adicionadas aos alimentos para torna-los mais aprazíveis, palatáveis, ou mais nutritivos, ou ainda, pela facilidade de fabricação e longevidade da estocagem.



Os aditivos dos alimentos tem estado conosco por muito, muito tempo, desde a pré-história, quando começamos a defumar e a salgar os alimentos para preservá-los de se estragarem. O mesmo acontece com o uso de ervas, temperos e adoçantes: o uso é muito, muito antigo. Imagine um mercador de alimentos lá pela idade média: adicionar temperos, corantes e o que há era necessário para retirar maus cheiros e gosto ruim de alimentos "estragados". De fato, temperos e "especiarias" eram tão preciosos que, de uma forma indireta, levaram os europeus a conquistas célebres, como a viagem de Marco Polo ao oriente, Colombo às Américas, Vasco da Gama à Índia.



Com o passar dos séculos a população foi deixando o campo e se aglutinando nas cidades, portanto o caminho entre o produtor da comida e o consumidor da comida ficou mais longo, e também mais longo o tempo entre o produzir e o consumir - lembre-se que a geladeira e o freezer são benesses do século XX. Portanto, no tempo de nossos avós (não tão longe assim) a perda de alimentos por pura decomposição era enorme, assim como era enorme o uso de produtos químicos e processos para tentar preservá-los. Um exemplo de um processo que até hoje é utilizado no sertão brasileiro é o de abater um porco, separar a pele e gordura das carnes, fritar a pele e a gordura para fazer a banha e o toucinho, em seguida fritar as carnes na própria gordura do animal, e finalmente estocar as carnes imersas na própria banha de fritura. Essa banha, quando fria, solidifica-se, e portanto impede a passagem do ar atmosférico até o alimento, evitando a sua oxidação e a proliferação de bactérias, duas funções que efetivamente preservam as carnes por muitos meses (e elas ficam uma delícia!). A gordura aí é o agente químico da preparação e da preservação do alimento.



De qualquer forma, uma definição prática de um aditivo é qualquer coisa que é intencionalmente adicionado ao alimento para produzir um efeito benéfico específico. Sal, açúcar... O que seria de um bom cachorro quente sem a mostarda e o quetechupe? Outros aditivos não são tão óbvios. A adição de iodeto de potássio ao sal de cozinha, por exemplo, supre a população do iodo necessário para o bom funcionamento da glândula tireóide, evitando o surgimento do bócio (o popular "papo"), entre outras disfunções orgânicas que a tireóide regula. É o que está escrito no rótulo do saquinho de sal: "iodatado". Você pode colocar vitamina D no leite e não modificar nada em termos de gosto, cor... Mas o aditivo vai facilitar a capacidade do organismo em absorver o cálcio do leite, melhorando e até prevenindo problemas ósseos da população. Por outro lado, a vitamina C, além de melhorar a qualidade nutricional do alimento, como a D, vai também funcionar como um preservativo. Ela (o ácido ascórbico) se oxida pelo ar com muita facilidade, e assim, ela vai se oxidar preferencialmente ao alimento aonde ela foi adicionada, evitando por um bom tempo que ele se deteriore. Essa classe de aditivos é portanto chamada de antioxidantes.



Sendo assim, nós podemos agrupar os aditivos em grupos, de acordo com a função que eles exercem, sempre tendo em mente que os grupos não são excludentes, como no caso do ácido ascórbico que é um nutriente além de um antioxidante. Esses grupos (de uma forma bem generalizada) são:



a) os que tornam os alimentos mais aprazíveis/palatáveis;

b) os que os tornam mais nutritivos;

c) os que preservam o frescor e evitam sua decomposição, e

d) facilitam o seu processamento e prolongam o seu período de estocagem.



No primeiro grupo estão, por exemplo, o beta caroteno, que dá uma cor de cenoura para o alimento, o açafrão, que empresta uma cor amarela, o óxido férrico (marrom), o dióxido de titânio (branco); são os corantes. O monosódioglutamato (um sal do ácido glutâmico) ajuda os fracos sabores dos alimentos a se tornarem mais fortes, por isso muito utilizado na cozinha oriental





HO2C-CH2-CH2-CH(NH2)-CO2Na





enquanto que o acetato de etila





CH3-C(O)-O-CH2-CH3





faz o mesmo, além de emprestar à comida o seu próprio aroma, como fazem outros óleos e extratos vegetais, como a baunilha, por exemplo (curiosamente, o acetato de etila sintético é ingrediente fundamental do esmalte de unhas!). Compostos utilizados com essas finalidades são ditos serem flavorizantes. Um deles, muito comum, é o açúcar, um membro representativo dos adoçantes.



A segunda grande classe de aditivos compreende, como já vimos, a vitamina C e a D, também o beta caroteno (que é, uma vez ingerido, transformado pelo organismo na vitamina A). Minerais como o sulfato de ferro, FeSO4, e o sulfato de zinco ZnSO4, ajudam a suprir nossa demanda por minerais (micronutrientes), tornando nossa alimentação mais saudável.



A terceira classe de aditivos é de fundamental importância hoje em dia, são os responsáveis pela prevenção da oxidação dos alimentos pelo ar e/ou prevenir a formação de bactérias nocivas. Já vimos que a vitamina C funciona como anti-oxidante, mas ela é ainda um anti-microbiano. O benzoato de sódio é específico para prevenir a formação de fungos em alimentos cítricos ou acídicos, por exemplo, enquanto que o nitrito de sódio, NaNO2, inibe o crescimento de microorganismos nas carnes (e as preservam vermelhas por mais tempo...). O ácido sórbico e os seus sais, principalmente o de sódio





CH3-CH=CH-CH=CH-CO2H





previnem a formação de fungos e fermentos em queijos. Todos eles são exemplos de conservantes, ou preservantes.



A última grande classe de aditivos são coletivamente chamados de estabilizantes. O dióxido de silício, SiO2 e os silicatos de cálcio previnem alimentos em forma de pó - o sal de cozinha, por exemplo - sempre sequinhos. A glicerina serve de humectante, faz com que o coco ralado, por exemplo, pareça que foi mesmo recém ralado... e por aí vai toda uma família de espessantes, texturizantes, emulsificantes, controladores de pH, e o que há.



É isso aí. Os aditivos estão aí, e vão permanecer, com toda a certeza. Nisso há um problema, envolvendo toda uma questão de se o alimento é natural, não contém conservantes, portanto é mais saudável, e coisas do gênero. De fato, essa preocupação procede, e deve ser levada em conta, com muito critério. Devemos, como em outros casos, julgar muito bem a relação custo/benefício para julgarmos o caso do "com" e do "sem" aditivos. Um caso notório é o do nitrito de sódio, já mencionado. Os nitritos são reativos, podem facilmente ser transformados em ácido nitroso, HNO2, precursor de substâncias carcinogênicas, e por isso, eventualmente, poderiam vir a nos causar mal, de uma forma ou de outra. Por outro lado, as frutas comuns da nossa dieta - o tomate por exemplo - possuem substâncias que reagem com o ácido nitroso e anulam os seus efeitos, mas nem por isso se torna mandatório que todo aquele que come carne deva comer tomate junto. O caso é que até agora não se sabe se o ácido nitroso é de fato formado no nosso organismo, e além disso, existem bactérias que vivem na nossa saliva que transformam os nitratos das frutas em nitritos, bem na nossa boca! De mais a mais, o nitrito de sódio na carne previne o aparecimento de um microorganismo, o Clostridium botulinum, que produz a toxina botulinum, responsável pelo botulismo, que é um dos tipos de envenenamento por alimentos, e é simplesmente fatal. Não tem cura, e a morte do paciente é rápida. Existem portanto prós e contras sobre a utilização ou não de aditivos e conservantes nos alimentos. O nosso julgamento, criterioso, é que deve prevalecer quando da escolha daquilo que irá servir como nossa alimentação.

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