Na automedicação, bom-senso é o melhor dos remédios

Possivelmente não será exagero dizer que a imensa maioria das pessoas fez ou fará uso de um remédio por conta própria. Trata-se de um comportamento observado em todo o mundo e até justificável em algumas situações. Seria praticamente impossível recorrer ao médico ou bater à porta de uma instituição de saúde no caso de uma dor de cabeça eventual ou uma indisposição estomacal, por exemplo. A própria Organização Mundial de Saúde reconhece a automedicação como um complemento aos sistemas de saúde, que certamente entrariam em colapso se precisassem atender a todos os casos de males simples e passageiros. O problema é que os limites do consumo racional são frequentemente ultrapassados. E as consequências podem ser desastrosas. Em vez da cura para o seu problema, o leigo que se automedica pode estar se expondo a riscos que desconhece – até o óbito, em casos mais extremos.
Não há, no Brasil, dados oficiais sobre o universo de pessoas que se automedicam. Mas há indicadores de alerta, como o levantamento do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX). Os dados mais recentes, de 2007, mostram que a ingestão indevida de medicamentos é a principal causa dos casos de intoxicação registrados na Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica, respondendo por cerca de 30% do total.
Intoxicações são apenas um exemplo do universo de riscos. Entre eles, estão o mascaramento dos sintomas, com o consequente retardo na identificação da doença e a possibilidade de agravá-la; o diagnóstico incorreto; a escolha da terapia inadequada; as dosagens insuficientes ou excessivas; os efeitos adversos e colaterais desnecessários e o desconhecimento de possíveis interações com outros medicamentos.
Até medicamentos de venda livre (sem tarja), como analgésicos, antiácidos, antitérmicos e antigripais, podem trazer riscos. Por exemplo: em crianças com algumas doenças virais, como gripe e catapora, o ácido acetilsalicílico pode precipitar a síndrome de Reye, um tipo de doença fulminante do fígado, fatal na maioria dos casos. Às vezes, a pessoa nem sabe que está ingerindo uma droga em excesso, pois combina vários medicamentos que têm o mesmo princípio ativo. O paracetamol, por exemplo, está presente em remédios para gripe, reumatismo, cólicas e enxaqueca. Isso sem falar dos consumidores que, entusiasmados com a propaganda, tomam remédios que não lhes trarão benefício algum. Se não fazem mal, no mínimo afetam o bolso. Um em cada três medicamentos comercializados no Brasil são de venda livre, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (ABIMIP).
Os riscos da automedicação incluem mascaramento dos sintomas, dosagens insuficientes ou excessivas e possíveis reações pela interação com outros medicamentos.
Nos medicamentos de tarja preta, no qual estão principalmente os da classe dos psicotrópicos, a possibilidade de automedicação é minimizada. Por oferecerem risco elevado, possuem hoje um eficiente sistema de controle. Sua COMPRA se dá apenas mediante apresentação de receita médica, que fica retida no estabelecimento de venda e é periodicamente recolhida para lançamento no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados.
No Brasil, o maior perigo está nos medicamentos de tarja vermelha. Apesar de a lei exigir apresentação de prescrição médica no ato da compra, o fato é que eles são facilmente adquiridos de maneira bastante fácil, sem a necessidade de nenhuma receita ser mostrada. Nessa categoria estão classes de medicamentos como os antiinflamatórios, antialérgicos e, principalmente, os antibióticos, cujo consumo indiscriminado pode trazer graves consequências não apenas para o paciente, mas para toda a sociedade, uma vez que o consumo sem critério ou indicação adequada favorece a resistência microbiana, anulando a eficácia das drogas. Um levantamento realizado em 2008 pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo em 2.789 estabelecimentos constatou que 68% deles haviam vendido antibióticos sem receita médica. Desde então, intensificou-se o movimento do setor em favor de maior controle na comercialização de antibióticos, e a Anvisa estuda normas mais rígidas para a venda desses medicamentos.
Mas a prática da automedicação já diminuiria com o mero cumprimento (e fiscalização) das regras atuais para as drogas de tarja vermelha. Para os de venda livre, é praticamente impossível estabelecer regras, pois os limites entre o uso racional e o exagero são subjetivos e pouco perceptíveis ao paciente. Este deve, no mínimo, ler a bula e procurar o médico em caso de dúvidas, persistência de sintomas, piora, recaída ou ocorrência de dores agudas. E pessoas que já fazem uso regular de algum medicamento devem ter cuidado redobrado para evitar reações causadas pela interação do remédio prescrito com o tomado por conta própria. Acima de tudo, o que deve imperar é o bom-senso – este sim o melhor dos remédios e sem contraindicações.​

FONTE : PESQUISAS

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